sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Uma história simples...(007 – 6 graus de separação...)

Seis bilhões de almas neste planeta. Pensei na teoria dos seis graus de separação. Viajei para o outro lado do Mundo para estar exatamente no mesmo ponto de fuga. Surreal. A verdade é que eu não fazia ideia se o Tiago estava aqui. Tinha tido aquela sensação, mas desde então, nada de concreto. Nós somos muito diferentes. Ele tem de calmo o que eu tenho de impaciente. Ele é pausado, introspectivo, eu falo e depois penso. Quando andávamos juntos era muito fácil distinguir um do outro. Nunca pudemos fazer aquelas trocas que os gêmeos tanto se divertem a fazer porque as pessoas descobriam logo. E isso era impressionante porque somos fisicamente e morfologicamente idênticos. Mesmo tom de voz, mesma maneira de andar, mesmos tiques – esfregar o nariz quando estamos nervosos, enfim. A diferença está mesmo e unicamente na maneira de ser. Na sequência da minha reflexão anterior, até me perguntei se, caso eu encontrasse a ex dele, se eu conseguiria me fazer passar por ele. Acho que não. Acredito que eles se conheciam muito bem e eu sou péssimo imitador dele, contrariamente ao oposto. Ele me imita muito bem. Talvez é mais fácil para uma personalidade pacata imitar um espalhafatoso do que o oposto.

No dia seguinte à conversa com a Lua, fui até à agência de viagens verificar a possibilidade de voltar para NY para o fim do ano, para o casamento. Aproveitei para perguntar ao Ali se ele fazia ideia de como poderíamos procurar pelo Tiago. Ele disse que ia “acionar alguns mecanismos nesse sentido”. Ri às gargalhadas. Se havia uma pessoa capaz de encontrar o Tiago naquela confusão, era ele. Ao mesmo tempo, eu tinha dúvidas sobre os motivos dele – Tiago – em estar aqui.

Foi nesse momento que a vi. Não acreditei. Ela. Aqui...
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David
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quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Uma história simples...(006 - Fuga...)

Abri os olhos e já era o dia seguinte. Na noite anterior fiquei até tarde estudando mapas e folhetos de passeios para fazer hoje. Agora, tudo que quero é não estar aqui. Cairo é uma cidade caótica, mas ao mesmo tempo romântica. E essas duas coisas são tudo que não quero encontrar hoje. Queria ter acordado em outro lugar, sem romantismo e com muita ordem. Até ontem os milhares de pedestres disputando espaço nas ruas com veículos que a todo instante tem a buzina acionada — mesmo sem motivo aparente — era uma diversão para mim. Hoje não quero mais.

Fazia tempo que eu não tinha essas oscilações de humor. Parecia estar estável, controlada. O que teria acionado novamente o mecanismo de minhas vicissitudes internas? Claro que eu sei. Foi a visão do Tiago ontem, tão perto de mim, depois de tanto tempo. Estou tomada pelo medo de sair às ruas e revê-lo. Nunca mais nos vimos depois da separação. Nossa relação fora muito intensa. Apesar de ter durado apenas três anos, na passagem da adolescência para a vida adulta. Quando acabou, por muito tempo senti uma dor funda no peito. Dor física. Nem parecia coisa de sentimento, de emoção... Dor da perda não apenas de um companheiro, mas de toda uma história, de parte da minha história de vida. Era tão linda nossa história... Quando acabou, passou a ser mais uma. Poderia, a partir daí, ter sido qualquer história. Foi muito difícil seguir em frente, voltar à vida normal, encontrar ânimo mais uma vez. E quando, finalmente, consigo, deparo-me com ele ao acaso, em uma cidade que não é a nossa, um rosto entre os quase oito milhões de habitantes do Cairo. O único rosto que eu não queria ver.

E se não fosse ele? Havia muito movimento na rua, muita fumaça no café. Pode não ter sido ele. Não faz sentido vir até o Cairo e ficar fechada no hotel, com medo de encontrar um fantasma que nem sei ao certo se vi. Mas ainda que meus olhos não tenham visto, meu coração viu. Isso trouxe novamente a dor ao meu peito, estragou meu dia.

Imersa nesses pensamentos, Tábata se ajeita na cama e dorme novamente.
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Sandra
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sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Uma história simples...(005 - Desencontros...)

Senti a presença dele. No dia seguinte recebi um telefonema de casa. Era a Luana. Antes de viajar eu tinha conversado com ela e tinha pedido que me contatassem só em caso de urgência. O som e a tonalidade da voz dela me levaram de volta para um mundo de ansiedade e medos sem explicação do qual eu tentava fugir continuamente. Ela me dizia que estavam sem noticias do Tiago há dois dias. Eu me aclamei. Se alguma coisa tivesse acontecido eu já teria sentido. E eu lhe disse que o Tiago estava no Cairo também.
  • ...não, não o vi ainda, mas sei que está aqui...sim, senti a presença dele ontem na rua... eu sei que ele está bem... talvez um pouco triste... isso, acalma os pais... não faço ideia, talvez o meu guia possa ajudar... ou alguém vai me confundir com ele...sim, assim que souber eu ligo...o pessoal está bem?...diz ao Yuri que ele ia gostar de Cairo...uma zona, lembrou o quarto dele...quem?...não acredito!...sério?...onde vão se casar?...ahhh, parabéns Lua...sim, claro que estaremos lá! Que pergunta...e estás feliz?...que bom, estou feliz por ti...muito mesmo...ok...ok!...tá...espera, espera!... não, nada (faziam sempre isso com ela)... hahahahha...beijo grande!
Lembro-me de ter ficado com o coração mais leve depois de falar com a Luana, mas logo depois veio o medo. E se eu estivesse errado? E se algo tivesse acontecido mesmo com o meu irmão? A verdade é que eu não fazia ideia de onde ele poderia estar, e estando no Cairo, as razões da vinda. Uns tempos antes da minha viagem, ele confessou que a sugestão de vir para o Cairo não era dele, mas sim da ex-namorada. Na altura das nossas conversa isso não me tinha interpelado, mas com a perspectiva temporal, a coisa tomava outra cor. Eu fui para o Cairo e a ideia original não era do Tiago...

Lembro-me de ter tremido com a ideia deles terem combinado um encontro lá. E eu metido ali no meio...
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David
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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Uma história simples...(004 - Cairo...)

Porque ir tão longe de tudo que é familiar? Por várias razões e nenhuma ao mesmo tempo. Algumas pessoas fazem isso para fugir da tristeza ou de alguma decepção. Outras fazem isso para provocar alguma reação em cadeia que as façam entender o propósito da vida. Das suas próprias vidas. Eu entendo isso, embora nunca tenha tido vontade de fazer isso. Às vezes até pode ser só por uma pura vontade mecânica de nos confrontarmos a uma realidade diferente, a um contexto menos familiar, só para ver se com essas variáveis as mesmas decisões tem o mesmo sabor, se as mesmas escolhas têm resultados parecidos.

Eu me tinha apaixonado. Ou melhor, do alto dos meus 23 anos achava que me tinha apaixonado. Sabem? Daquelas paixões que começam na adolescência, sem muito saber se é só mais uma descoberta, e que de repente se transforma numa proposta de vida comum? Foi o que me aconteceu. Durou três anos e milhares de planos. O fim chegou como uma tempestade num final de tarde. Repentino, violento, assustador. E ao mesmo tempo purificador e consolador. E deixou no ar aquele cheiro fresco de terra molhada. Eu me senti como depois daqueles últimos soluços depois de um choro compulsivo. Sabem o que quero dizer. Lembro-me daquela musica que o Caetano cantava. Acho que ela se chama Sonhos. Saudade até que bom, melhor que caminhar vazio. Só sei que enquanto durou – e pareceu durar muito mais do que o tempo real – foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Depois da separação, juramos nunca mais tentar nos encontrar. Não me lembro muito bem porquê mas havia uma boa razão.

E assim me encontrei de repente sem aquela base, sem aquele chão, aquela rotina, aquela certeza. Deu um frio na barriga, um medo indescritível, ao mesmo tempo que me colocou um sorriso nos lábios. Havia outra vez algo desconhecido pela frente. E aí veio a vontade de ir para longe de tudo que é familiar.

Dizem que os gêmeos tendem a ter vidas parecidas. A verdade é que a minha história de amor começou e acabou mais ou menos ao mesmo tempo que a do meu irmão. E isso nos aproximou mais um pouco. Até esse momento tínhamos – não sei se conscientemente – tentado evitar todos os clichês sobre gêmeos. Depois das nossas historias passamos a conversar muito. Falei-lhe da minha vontade de viajar, de novidade, de baixar a cabeça e entrar no desconhecido. Isso nos aproximou. Aqueles últimos meses antes da viagem foram intensos. Os dois com vinte e poucos anos, a cabeça e o coração livres, bolsos cheios. Uma palavra em mente: Cairo

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David
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terça-feira, 28 de setembro de 2010

Uma história simples...(003 - Vidas estranhas...)

E lembro-me dessa data. Havia uma entrada no meu pseudo jornal de bordo. Quinta-feira, 27 de novembro de 97. Tinha passado uma noite em banco. Sem razão. Uma sensação estranha, como uma presença, como se houvesse alguma coisa que eu tinha que fazer e não conseguia entender o quê. Levantei-me da cama com o pensamento de ir para o deserto, começar a trabalhar mais cedo. Lembro-me que naquele dia sentia-me muito só. Mais uma vez sem razão, de rodeado que estava pela confusão calorosa, característica do Cairo naquela hora do dia. Mas não consegui sair. Invés disso vegetei durante horas frente à TV. Parecia um réptil ao sol, quase imóvel. De vez em quando desligava a televisão e tentava ler um pouco. Um amigo de longa data me tinha aconselhado um livro ironicamente intitulado Stranger in a strange land. As horas foram passando e quando me dei conta já era quase o fim da tarde. Decidi sair um pouco do motel barato onde eu estava, acampado.

As ruas do Cairo nessa hora do dia são como formigueiros ao por do sol. Parecem ganhar ainda mais vida. Uma mistura de sons, cores, calor úmido, cheiros e personagens me atinge em plena cara, quase me nocauteando. E sento outra vez aquela sensação de uma presença conhecida, como que um olhar que paira em mim. Ainda agora ao escrever isto, o meu corpo me lembra essa sensação. Luto não me deixar invadir pelo pânico desprezível e insidioso provocado pela solidão. Só pode ser isso, o medo de estar sozinho, de acabar sozinho. Não deixo o sentimento vencer. Acendo um cigarro e procuro um lugar para sentar e deixar o coração bater com menos ansiedade. A minha espelunca ficava na El Bagory, relativamente perto do caos do bazar Khan El-Khalil, na parte islâmica da cidade. Algures na minha cabeça germinava o plano de tentar apanhar um barco para descer o Nilo até Luxor. Enquanto isso não acontecia, sentei-me para beber um karkade no Fishawy, para ver se ganhava um pouco de energia para enfrentar o que restava do dia.

Lembro-me ter aberto livro, folheado as primeiras páginas para ver se alguma palavra fixava a minha a atenção. E senti saudades de casa. Saudades de algo mais familiar, confortável, sem muitas surpresas.

E senti a presença do Tiago...!
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David
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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Uma história simples...(002 - Outro olhar...)

Depois de cinco anos, finalmente saía de férias. Não eram as férias dos meus sonhos, porque me via sozinha e sempre pensei estar bem acompanhada quando chegasse ao Cairo. Mas a vida assim quis e eu não ia mais adiar esse momento, essa descoberta, a visitação a tudo que conheci nos livros que devorei na adolescência, não por causa das minhas decepções amorosas.

Naquele dia eu tinha feito uma visita ao "soukh", um antigo mercado árabe, e estava voltando ao hotel, um simpático hotel de uma dessas redes modernas que reabilitam prédios antigos e conseguem cobrar preços acessíveis em locais muitas vezes charmosos. Já perto do hotel, no centro da cidade, vi Tiago, do outro lado da rua, encoberto pela fumaça dos narguilés do café. Tentei fixar o olhar para ter certeza que não era meu coração que queria ver, mas a agitação dos carros, a bagunça do trânsito desordenado não me permitiam ter certeza.

Não quis me aproximar. Quis. Mas não me aproximei. Não sei porque. Muitas lembranças vieram à mente naquele momento. Lembranças, inclusive de nossos planos para a viagem ao Cairo... conversas sempre interrompidas pelo irritante irmão de Tiago, um esbanjador sem seriedade, que não quer nada sério da vida, mas dizia se interessar pelo Egito, por história.

Subi para o quarto do hotel, para ver os mapas do passeio que pretendia fazer no dia seguinte. Fixava os olhos nos papéis, mas a imagem que vinha à mente era de Tiago, sentado sozinho na mesa do café. Estaria esperando alguém? Estaria a trabalho ou de férias? Saberia ele que eu estava aqui? Como teria reagido se eu me aproximasse?
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Sandra
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domingo, 29 de agosto de 2010

Uma história simples...(001 - Primeiros passos)

Bem, de alguma maneira hei de começar. É uma história simples num mundo de homens e mulheres, portanto num mundo complicado. Tudo começou há dois anos no Cairo. Nesse momento, eu estava a gastar a fortuna da família armado em pesquisador. Sempre gostei da história pela história. Não pelo que ela me pode ensinar sobre a vida, mas só por gostar de me imaginar na pele dessas pessoas antigas. E divertido para a minha mente, materializar-me na pele de uma pessoa que já morreu e ver-me a fazer os mesmos gestos que ela, tomar as mesmas decisões, andar os mesmos caminhos, cometer os mesmos erros e assumir as mesmas consequências. Estava no Cairo, como disse, a tentar perceber se a escolha dos locais de construção das pirâmides tinha sido feita ao acaso ou se seguiam uma lógica que até agora tinha escapado a todos. Isto, em Novembro de 1997. A minha família tinha feito fortuna a fabricar embalagens de cartão biodegradáveis e multiusos. Tentei estudar economia (desejo do meu tio, também economista) mas rapidamente percebi que não gostava de trabalhar com dinheiro embora adorasse gastá-lo. A seguir a isso experimentei várias profissões sem encontrar nada que me agarrasse mais de que 2 meses. Cansei-me de perder tempo inutilmente e vim parar ao Cairo, sozinho, sem ligações, com o desejo de satisfazer a minha mente no campo específico da Egiptologia. Os meus pais (Samuel e Ana, ambos cinquentões e ainda com os anos 60 mal digeridos) viviam em Nova Iorque com os meus irmãos (Luana 28 anos, Yuri 25 anos e Tiago 23 anos). A propósito, chamo-me Ezy. E.Z.Y. Não me perguntem porquê. Gosto de pensar que foi porque o meu nascimento fácil. Ou que a minha vida foi destinada a ser fácil. Espero que sim. Tenho 23 anos e sou 35 segundos mais novo que o Tiago.
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David
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