terça-feira, 28 de setembro de 2010

Uma história simples...(003 - Vidas estranhas...)

E lembro-me dessa data. Havia uma entrada no meu pseudo jornal de bordo. Quinta-feira, 27 de novembro de 97. Tinha passado uma noite em banco. Sem razão. Uma sensação estranha, como uma presença, como se houvesse alguma coisa que eu tinha que fazer e não conseguia entender o quê. Levantei-me da cama com o pensamento de ir para o deserto, começar a trabalhar mais cedo. Lembro-me que naquele dia sentia-me muito só. Mais uma vez sem razão, de rodeado que estava pela confusão calorosa, característica do Cairo naquela hora do dia. Mas não consegui sair. Invés disso vegetei durante horas frente à TV. Parecia um réptil ao sol, quase imóvel. De vez em quando desligava a televisão e tentava ler um pouco. Um amigo de longa data me tinha aconselhado um livro ironicamente intitulado Stranger in a strange land. As horas foram passando e quando me dei conta já era quase o fim da tarde. Decidi sair um pouco do motel barato onde eu estava, acampado.

As ruas do Cairo nessa hora do dia são como formigueiros ao por do sol. Parecem ganhar ainda mais vida. Uma mistura de sons, cores, calor úmido, cheiros e personagens me atinge em plena cara, quase me nocauteando. E sento outra vez aquela sensação de uma presença conhecida, como que um olhar que paira em mim. Ainda agora ao escrever isto, o meu corpo me lembra essa sensação. Luto não me deixar invadir pelo pânico desprezível e insidioso provocado pela solidão. Só pode ser isso, o medo de estar sozinho, de acabar sozinho. Não deixo o sentimento vencer. Acendo um cigarro e procuro um lugar para sentar e deixar o coração bater com menos ansiedade. A minha espelunca ficava na El Bagory, relativamente perto do caos do bazar Khan El-Khalil, na parte islâmica da cidade. Algures na minha cabeça germinava o plano de tentar apanhar um barco para descer o Nilo até Luxor. Enquanto isso não acontecia, sentei-me para beber um karkade no Fishawy, para ver se ganhava um pouco de energia para enfrentar o que restava do dia.

Lembro-me ter aberto livro, folheado as primeiras páginas para ver se alguma palavra fixava a minha a atenção. E senti saudades de casa. Saudades de algo mais familiar, confortável, sem muitas surpresas.

E senti a presença do Tiago...!
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David
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