terça-feira, 26 de abril de 2011

Uma história simples...(011 – Escondido...)

Não era normal eu ver a Taby. Nessa cidade? Como assim? Eu me perguntava se ela me tinha visto ao mesmo tempo em que dançavam na minha cabeça as imagens do fim daquele grupo. Tinha sido um pequeno inferno. Mas aqui estava eu, anos e léguas de distancia desses acontecimentos, e me deparo com ela. Com o recuo do tempo até fazia algum sentido ela estar no Cairo. Quando ainda existia o pequeno grupo, várias vezes tínhamos concordado que Cairo seria um ótimo lugar para conhecermos. Eu só não queria acreditar na coincidência cósmica que nos colocava na mesma cidade e ao mesmo tempo. Pedi ao Ali que tentasse descobrir onde ela estava hospedada e o que fazia aqui. Ela devia estar com 25 anos, agora? Ela era dois anos mais velha que nós.

O Ali descobriu que o nome do hotel dela e me disse que parecia estar sozinha, a turismo. E agora eu pensava se aquela historia de me sentir observado, de sentir a presença do Tiago, não era isto mesmo, não era precisamente a Taby.

Em algum momento eu teria que de contar o que aconteceu com aquele grupo. Mas não é tão fácil assim... As relações humanas são coisas tão complexas porque, contrariamente às relações entre animais, possuem camadas. E essas camadas são quase sempre opacas, embaçadas, não facilitam o vislumbrar do que está do outro lado. As pessoas nunca são verdadeiramente transparentes, verdadeiramente honestas. É preciso sempre um filtro. É o que me disseram. Talvez seja esse filtro precisamente a essência do “viver em sociedade”. Um pouco contraditório com a eterna demanda por sinceridade, mas bom. Adiante.

Quando terminaram os nossos devidos romances, ficou um acordo velado que não nos veríamos mais. Tinha sido um fim tão barulhento, intenso como o namoro em si, que o balde de água gelada calou todos num piscar de olhos. Eu nunca mais vi nem a Isa nem a Taby. Nem procurei saber se tinham mudado, se continuavam na mesma universidade... e como o Tiago nunca me disse nada, ficamo-nos por esse pacto de silencio velado. A vida continuou...

Até agora.

Resolvi que tinha que falar com ela. Não fazia sentido nos encontrarmos tão longe de casa e fingir que nada aconteceu. Não nos devíamos nada. Poderíamos sentar, ultrapassar juntos o efeito de surpresa. Uma de duas coisas poderia acontecer. Depois das amenidades, ou nos encontraríamos envoltos num incomodo duplo monólogo pontuado por tímidos “pois é... tu, por aqui?...que coisa, né?... pois é...e então?... bela cidade, o Cairo...vai chover...e então...”, ou então algo mais sólido existe e servirá de base para, talvez, uma amizade mais completa? Enchi-me de coragem e fui até ao hotel dela, perguntei por ela, mas o atendente me disse que ela tinha saído para jantar. Procurar por ela pela cidade estava fora de questão. Sentei-me no lobby do hotel, pedi um chá, abri o meu livro e esperei. Não conseguia me concentrar muito no livro porque a minha cabeça estava muito mais focada em tentar entender porque raio a Taby estava no Cairo e o que eu ia bem poder dizer quando nos encontrássemos. Depois de um par de horas nesse exercício de funambulismo mental decidi ir embora. Já era tarde e no dia seguinte eu tinha que voltar para o trabalho. No fim dessa semana eu tinha decidido fazer o tal passeio até Luxor. Isso envolvia trabalhar um pouco mais durante os próximos dias, tanto para recuperar o tempo que eu tinha perdido com a minha letargia, como para adiantar alguma coisa para as semanas seguintes. Levantei-me, passei pelo balcão do hotel com a intenção de deixar um bilhete para ela. Eu estava em pé no balcão à espera de um pedaço de papel para escrever, quando ela chegou. Por uma razão que até hoje não sei explicar, a minha única reação foi de me esconder. Foi como um aquele reflexo do joelho quando o médico bate com o martelo, sabem? Uma coisa completamente instintiva, desastrada e descoordenada. Escondi-me atrás de uma das pilastras do hotel. Ela despediu-se do que me pareceu ser um homem, na entrada do hotel, e entrou. Passou pelo balcão, pediu pelas chaves, perguntou alguma coisa, agradeceu e se dirigiu para o elevador. Acompanhei cada gesto, cada passo, sob o olhar divertido e intrigado do balconista. O elevador chegou, ela entrou e de repente saiu de novo e o olhar dela fez um 180 graus na frente, como se procurasse por alguma coisa. Por uns segundos que pareciam intermináveis ela escrutinou o hall do hotel e a entrada do restaurante. Depois e sacudiu os ombros, sorriu, entrou no elevador e subiu.

Fiquei escondido mais uns minutos para recuperar os sentidos, rasguei o papel onde ia escrever o recado, fiz sinal ao balconista que eu NÃO tinha estado lá, e fui embora. Que filme patético tinha sido esse...

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David
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