segunda-feira, 25 de julho de 2011

Uma história simples...(015 – Entorpecido...)

A chegada foi caótica, mas eu gostei do encontro com a cidade. O lado aparentemente desordenado da cidade permitiu-me um anonimato muito bem-vindo. Contratei um guia logo no aeroporto e ele me levou para um hotel mais perto do centro. A única incógnita era como ia fazer para encontrar o meu irmão nesta cidade tão diferente de tudo o que conhecia. Lembrava-me ter ouvido falar por alto de um bazar no centro da cidade, então deixei as coisas num hotel perto do aeroporto e dirigi-me lá, com a esperança de conseguir algum indicio. Durante a viagem eu só conseguia pensar no que dizer quando encontrasse o meu irmão. Interessantemente não me passava pela cabeça a possibilidade de não o encontrar, mesmo numa das cidades mais caóticas que conheci. A minha esperança era que aquela coisa que contam sobre os instintos e ligações entre gêmeos fosse mesmo verdade. Sem isso as chances de encontrá-lo eram reduzidíssimas.Uma vez instalado no hotel, saí para o centro da cidade, com a esperança de ter alguma revelação. Eu pensava na palavra epifania, que tinha aprendido pouco tempo antes. Epifania: uma revelação. Era o que eu precisava naquele momento.

Durante esse tempo morto eu tentava juntar as peças dos acontecimentos, e sobretudo, tentar construir algum raciocínio para a conversa com o Ezy. Eu não entendo o que aconteceu. Beijei a namorada dele e ele viu. Depois disso não disse mais nada, simplesmente desapareceu. A Taby também. Dias depois ele voltou a aparecer e eu só conseguia dizer que não tinha acontecido nada. Sim, simplesmente o pânico. Até hoje eu não faço ideia se ele conversou com a Isa depois disso. Tenho a certeza que ele conversou com a Taby porque ela nunca mais quis me ver. Daquele momento em diante nunca mais atendeu os meus telefonemas, não me recebia em casa, deixou de ir aos mesmos lugares etc. Assim. Como o cortar do cordão umbilical.

Com o recuo do tempo eu me pergunto se não é melhor assim. Algumas vezes eu senti um tipo de “deslocamento”, sensação de estar fora do lugar. Para o resto do mundo o casal formado pela Taby e eu era o típico casal de filmes. Antes do incidente eu me sentia meio preso nesse papel, nesse desígnio das coisas. Parecia que estava tudo pronto para ir num rumo sobre o qual eu tinha pouco domínio. O meu irmão ficava furioso quando eu dizia-lhe isso. Ele repetia a quem quisesse ouvir que a escolha existia sempre e que as pessoas que diziam não ter escolha eram simplesmente pessoas desconfortáveis com as escolhas que faziam. Ele dizia isso com tanta propriedade...e a Taby concordava com ele. Em algumas coisas eles tinham opiniões similares, essa era uma delas. Porque nas demais ele passavam a vida a discutir posições antagônicas. Eu tinha mais dúvidas, muitas dúvidas. Ezy exalava certezas. Até no abandono dos estudos ele tinha a certeza de ser a coisa certa. Eu sentia inveja. Enquanto ele exibia uma postura eu-faço-o-que-quero-e-estou-nem-aí-para-o-resto, eu ia fazendo o que esperavam de mim, timidamente.

E veio o “incidente”. Ou acidente, chamem como quiserem. Eu tento colocar a culpa no álcool da festa...mas não me convenço. Eu tinha bebido, sim. Como a Isa. Mas eu estava lúcido o suficiente para saber o que estava a fazer, assim como imaginar as consequências...

É como se uma vez eu quisesse romper com esse longo rio tranquilo que parecia ser a minha vida...

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David
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2 comentários:

  1. Ok, você está pedindo... vamos a isso!

    Quem é o próximo?

    ;)

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  2. Você provocou... eu gosto dessa história, aqui estamos de novo:

    16

    Desde aquele beijo, sempre que ouço essa música me lembro deles. E quanto mais o tempo passa, menos sei em quem penso exatamente. É como se os dois tivessem se transformado em um ser completo. O que eu odiava em no Ezy, o Tiago tinha de perfeito. O que faltava no Tiago, o Ezy mostrou que seria capaz de suprir. Por que o Ezy me beijou daquela maneira tão inesperada, como algo momentâneo e até indesejado? Não entendo. Nunca eu tinha percebido nenhuma insinuação, nenhuma atração, nada por parte do Ezy. Um belo dia, nos encontramos e ele me abraçou e me beijou como se eu fosse a mulher de sua vida, me apertando contra seu peito, como quem quisesse garantir a posse...

    Logo ele, em nada possessivo. Ele que vivia uma relação tão bonita e leve com a Isa. E aquele beijo me provocou sentimentos inesperados. Teria sido tão mais simples se Tiago não viesse me sufocando com seu ciúme, sua posse, seu domínio. Eu procurei naquele beijo a liberdade que Tiago me tirava. Procurei no Ezy a única coisa boa que ele podia me dar, porque todo o resto já tinha sido dado por Tiago. Eu gostei. E me odiei por isso. E nunca mais consegui encarar o Tiago.

    E, desde então, sempre que quero pensar na vida, me afastar do mundo, coloco essa música no meu fone de ouvido e fico alheia à humanidade. É estranho caminhar pelas ruas do Cairo, ver a movimentação das pessoas, a agitação dos carros, e me sentir em câmera lenta, em uma outra dimensão. Entre eles, mas fora deles, porque sou carregada por essa música repleta de harmonia, que tocava no momento em que duas histórias de amor se perderam por um beijo.

    Eu sei que devia deixar os dois e as duas histórias no passado. Mas não consigo. E, por mais contraditório que pareça, é pensando nessas histórias, ouvindo a música de fundo do fim delas, que encontro minha paz.

    Preciso mudar de rumo. Tenho que sair do Cairo. Já fiz mais do que estava previsto. Cumpri minha agenda de vontades e ainda tive o encontro com o professor Richard Lebeau.

    É isso. Vou embora. Mas não vou voltar para casa. Tenho ainda algumas reservas do apartamento e do carro que vendi. Vou para outro lugar. Um lugar que nem sei ainda.

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