sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Uma história simples...(017 – Interrupção...)

Às duas da tarde bateram na porta. Ainda meio zonzo de sono fui abrir. Depois de ir embora do hotel dela passeei pela cidade durante algum tempo, tentando juntar as peças do quebra-cabeças. Muita informação a ser processada em tão pouco tempo.

Na porta, Ali me sorriu e disse que tinham vindo entregar a passagem para Nova Iorque. Para Nova Iorque? Porque preciso de passagens para Nova Iorque? Casamento da sua irmã, lembra? Ah, é verdade. Deixa aí em cima da mesa, eu vejo depois. Precisam de você também na escavação 2. As paredes não parecem em bom estado em o pessoal está com medo de avançar, medo de desmoronamentos. Ok, dá-me 20 mn e eu desço e vamos.

Tomei um banho rápido, vesti-me, liguei para a recepção para pedir um sanduíche e saímos em direção às pirâmides. Durante o caminho eu pensei outra vez na noite anterior e pedi para o Ali passar frente ao hotel da Taby. Não sei por que, fiquei com vontade de vê-la antes de ir para fora da cidade. Chegamos ao hotel, passei pelo balcão e perguntei por ela. O senhor que atendia respondeu que ela tinha saído, mas que parecia ser por pouco tempo. Eu não podia esperar. O trabalho que eu tinha de fazer na escavação precisava do sol e este ia se por em pouquíssimo tempo. Pedi ao senhor que lhe transmitisse uma mensagem quando ela voltasse. Como eu estava com pressa, ditei o texto no meu inglês nova-iorquino, enquanto ele tentava escrever tudo antes de eu sair voando do hall de entrada. “Há coisas que dificilmente podem ser consideradas coincidências. E de qualquer forma eu nem acredito no destino. Espero te rever em breve. Beijo.”.

Saí do hotel sem esperar pela resposta do empregado. Algures em mim estava a vontade de não me cruzar com ela naquele momento. Não saberia o que dizer. Mas sabia que não podia deixar de conversar com ela. Depois de tudo que tinha acontecido eu ainda pensava que algumas coisas mereciam um pouco de conversa. Até da minha parte. A forma como reagi ao caso entre a Isa e o Tiago eu fechei-me, senti raiva, quis desaparecer. Foi um conflito, pois eu me sentia profundamente incoerente com o que sempre tinha apregoado. Não queria magoar ninguém, não queria me vingar de ninguém, não queria ver ninguém. Com o tempo digeri parte dos acontecimentos. A Isa se escondeu de mim durante uns tempos, com medo. Sempre fui o impulsivo dos dois. Eu queria que agente conversasse. Com ela eu ia poder conversar. Com meu irmão, não. Se problema houvesse seria entre a Isa e eu. Esse era o mais importante. Mas aquela conversa nunca aconteceu. Levei tempo até ultrapassar minimamente a dor, embora ela nunca passe completamente. A sensação de vazio se mantém lá, presente, emboscada e protegida por uma camada de cinismo.

Íamos a caminho de Gizeh, eu submerso nos meus pensamentos e o Ali tentando navegar o carro pela multidão do centro da cidade. Em pouco tempo descíamos o Nilo pela Komish Al Nile para poder pegar a Al Ahram em direção à esfinge. Naquele momento da tarde o transito estava estranhamente fluido e Ali acelerou um pouco na esperança de ganhar tempo de luz natural no sítio da escavação.

Tínhamos acabado de passar para o outro lado do rio, quando o carro da frente travou de repente. Só me lembro de ter gritado atenção para o Ali, ao mesmo tempo que instintivamente fingia travar. O nosso carro derrapou e bateu lateralmente no carro da frente. Foi na minha lateral. É a ultima coisa que me lembro... E apaguei.


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David
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