quinta-feira, 30 de junho de 2011

Uma história simples...(014 – Interlúdio 1)

E assim foi acontecendo esta história. Essa coisa deles serem gêmeos, de terem partilhado os mesmo amigos, os mesmos espaços, a mesma educação, etc. não é nada. Eu segui a história inteira e sei de cada detalhe, da realidade, do que realmente aconteceu, sem o filtro da percepção de cada um deles. Um enorme mal-entendido foi o que aconteceu. Desde os primeiros beijos havia uma coisa que não batia certo nesse quatuor. Eu achava que estava tudo perfeito demais, como a calma antes da tempestade. E então chegamos a isto: três dos quatro se encontravam ao mesmo tempo no Cairo, mas com relativo desconhecimento do paradeiro uns dos outros. Ezy sabia que a Tabata estava lá e o Tiago imaginava que o Ezy estaria por lá também. Com o recuo acabo por reconhecer que afinal a história não tinha sido assim tão simples. Ou sim? Sim, acho que foi simples. Nós, humanos, somos entes que gostam de complicar as coisas simples. É como uma premissa de qualquer relacionamento, seja ele amoroso, amizade, profissional, o que seja. Aqui entre nós, aquela coisa de que homens e mulheres são animais diferentes é uma ilusão. Somos todos iguais. Queremos todos amar e ser amados, desejado, queridos. Temos apenas formas diferentes de expressar essa mesma realidade. Somos animais básicos com tendências esquizofrênicas. Simples assim. Se conseguíssemos comunicar entre nós sem os filtros que a sociedade – da qual somos a única matéria bruta – nos impõe, depois de um período de adaptação tenho a certeza que as coisa ficariam ótimas. No caso especifico desta historia “simples” creio que cada um já imaginou um cenário do que pode ter acontecido para que dois casais apaixonados e quatro amigos se separassem assim tão violentamente.

Por mais que a Tabata quisesse se desligar do passado – na verdade, de uma parte do passado – ela sabia pertinentemente que não ia ser tão fácil. Aliás, todos eles estavam mais ou menos presos a esse mesmo passado. Da Isa eles pouco ou nada sabiam. Eu posso vos contar. De fato ela tinha fugido para a Califórnia e, depois de uma tentativa de suicídio e uma depressão – para uns foi nessa ordem, mas o bom senso dita que tenha sido o contrário – tinha voltado lentamente à vida graças à literatura e ao budismo. Ela manteve um diário meticuloso de todo esse processo e o livro que acabou por escrever fez algum sucesso. Não o suficiente para os outros ouvirem falar, mas o suficiente para pagar as contas durante uns escassos anos. O suficiente para ela decidir viajar durante um tempo. Não, ela não estava no Cairo. Na verdade ela queria ficar o mais longe possível de Nova Iorque e Cairo. Filosofia e literatura atraíram-na para Paris. Os outros estavam alheios a isso tudo. Mas todos continuavam de alguma forma conectados.

O que tinha acontecido?

As minhas lembranças já não é o que era, mas recordo-me que o Ezy repetia sempre a torto e a direito que não era ciumento, que não entendia o sentimento, que ter ciúmes era como um ser humano se sentir dono do outro e isso era resquício de escravidão etc, etc. E a Tabata concordava com ele. Aliás, se a memória não me falha, era a única coisa em que eles concordavam. O resto do tempo Ezy gastava a tentar tirar a menina do sério com as suas declarações grandiosas e ocas. Mas nesta coisa do ciúme eles concordavam. Os dois outros já eram mais reservados sobre o assunto, acreditando que o ciúme existe em todo o mundo e que alguns lidam melhor ou pior com o dito sentimento.

Cheguem ás vossas próprias conclusões...

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David
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domingo, 5 de junho de 2011

Uma história simples...(013 – Memórias...)

Passei bem os últimos dias, cumprindo o que estava previsto em minhas anotações de "para visitar no Egito". Consegui até mesmo agendar um encontro com o historiador Richard Lebeau, que veio ao Cairo para uma conferência sobre história das religiões. Quando vi seu nome indicado no folheto da conferência, não resisti e fiz minha inscrição. Foi muita coincidência estar aqui nesse momento. Eu tinha lido seus livros sobre o Oriente Médio na faculdade e tinha muitas dúvidas, muitos questionamentos a fazer. Após sua palestra, aproximei e me apresentei: "Tábata, formada em história e sua fã". Que ridículo, mas foi assim mesmo...

Apesar da péssima apresentação, foi empatia à primeira vista. Conversamos por mais de meia hora ali, em pé, até que os organizadores do evento pediram licença para fecharem as salas... saímos para continuar a conversa em um café e o encontro terminou com um jantar no tímido Alfi Bey, onde pude experimentar cozinha egípcia tradicional, acompanhada por um especialista no assunto. Foram horas falando sobre história, evolução da humanidade, rumos das religiões... Foram momentos inesquecíveis.

Após o jantar, Richard me deixou no hotel, trocamos endereços de e-mails e promessas de continuarmos nossas conversas sobre história, historiadores, civilizações e religiões via internet. Ao entrar no elevador do hotel, ouvi a risada de Isa, grande amiga que fiz na faculdade. Voltei para procurá-la, em um gesto instintivo. Então, me dei conta da bobagem. Só poderia ser uma risada parecida... há tanto tempo eu não a ouvia. Desde que ela mudara para a Califórnia, ao fim do curso de Filosofia. Verdade que tínhamos pensado muito em vir para o Cairo, juntamente com Tiago e seu irmão. Mas não aconteceu. O grupo se dissolveu antes e ela nem imagina que eu estou aqui agora.

De volta ao quarto só consigo pensar nessas imagens do passado que me perseguem aqui. Outro dia o Tiago, no café. Agora, a Isa. Pessoas tão presentes por tanto tempo, que se perderam de forma tão rápida, tão contundente. Uma amiga, um namorado, uma aventura... Tudo é passado e lá deve ficar.

Racionalmente eu sei que é assim. Mas na prática, não consigo fazer. É como se quisesse estar com eles novamente, a todo instante, fazendo a viagem que sonhamos e tanto falamos. Queria que nada tivesse acontecido como foi, que nada tivesse estragado nossos planos, nada tivesse mudado o rumo tão simples de nossa história.

E com isso voltam minhas alterações de humor. Por que, mesmo sendo tão jovem, e com a consciência de que ainda vou ter muitos amigos, namorados e planos perdidos pelo caminho, só consigo pensar agora que o melhor seria acabar com tudo, com toda essa história? Ou, ao menos, nunca mais voltar a lugares onde já estive e nem seguir pelos lugares que planejei com eles?

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Sandra
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