terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Uma história simples...(008 – Sonhos (I))

Às vezes a vida prega cada peça. Eu não queria estar aqui. Toda a minha –curta vida – eu me tinha convencido que iria ser piloto. Piloto comercial, de jato , de helicóptero, de balão, de qualquer porcaria que voasse. Ainda durante o fim do secundário descobri que para isso eu teria que estudar muita matemática. Até aí tudo bem, não fosse a imbecil da professora do penúltimo ano. Conseguiu me tirar todo e qualquer gosto pelas ditas “exatas”. O sonho de voar teria que ficar para dias melhores do ponto de vista do dinheiro, zi mânei! E para ter mânei, eu tentei estudar economia. Péssima ideia. Não deu. Então assumi que não estudaria mais e tentaria ser feliz. Lembro-me de um sonho recorrente que tive durante o inicio da minha segunda década na terra. Não é bem um sonho. É mais uma parte dele. Eu, sozinho, em pé à beira de um precipício. Ninguém por perto, nem um ruído humano, apenas o zumbido dissonante do vento e o seu eco nas paredes secas da montanha. Parecia o Grand-Canyon. Estou eu em pé frente à falésia e um ímpeto para saltar. Mas não me lembro jamais ter treinado para saltar. Percebo que estou todo equipado com o que parece ser um wingsuit e pára-quedas, mas não consigo visualizar os gestos necessários para fazer funcionar a parafernália toda. Só sei que algo me dizia “vamos! Salta logo!”. E embora tivesse tido o sonho varias vezes, com pouquíssimas variações – a luz variava um pouco, talvez por algumas vezes ele acontecer de manhã cedo e outras no fim da tarde – lembro-me que as sensações eram sempre identicamente intensas. Estomago às voltas, garganta seca, suores frios... E sistematicamente eu aceitava o desafio e saltava, com um grito surdo que só eu ouvia. E caía. Caía cada vez mais depressa, mas ao mesmo tempo com um pouco mais de controle sobre o vôo... ou a queda controlada. Sentia o vento passar embaixo das asas e a sustentação me movimentava para frente. Os automatismos apareciam progressivamente e eu sentia um pouco mais de confiança. E pensava naquela frase do filme “O ódio” de Kassovitz: “até aqui, está tudo bem. Até aqui está tudo bem”. À medida que vou sentindo mais confiança, as passagens rasantes vão ficando cada vez mais perto das paredes da montanha. Não faço idéia de quanto tempo dura o vôo. De repente sou apanhado por uma corrente quente ascendente que me projeta umas centenas de metros para cima e na subida perco o controle do vôo e por alguns milésimos de segundos perco o sentido de orientação, por causa do twist. Nesse momento tento respirar para acalmar e procuro pelo extrator só que na reviravolta ele ficou completamente enrolado entre a bolsa e o wingsuit. Lembro-me que ainda tenho o dispositivo de abertura automática do pára-quedas frontal. E a queda recomeça. Desta vez queda mesmo porque um sentimento de pânico me impede de pensar em seja o que for. E fico nesse estado durante o que me parece uns segundos intermináveis, com o chão que se aproxima em alta velocidade. O altímetro sinaliza que entrei na altura mínima para abrir o pára-quedas, ouço um clique atrás de mim e acordo...

Agora, com o recuo do tempo não me lembro se esse sonho não aconteceu no momento que eu conheci a Isa – de Isabella. Acho que foi mais ou menos nessa época. A coincidência seria bem-vinda e elucidativa...
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David
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