quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Uma história simples...(004 - Cairo...)

Porque ir tão longe de tudo que é familiar? Por várias razões e nenhuma ao mesmo tempo. Algumas pessoas fazem isso para fugir da tristeza ou de alguma decepção. Outras fazem isso para provocar alguma reação em cadeia que as façam entender o propósito da vida. Das suas próprias vidas. Eu entendo isso, embora nunca tenha tido vontade de fazer isso. Às vezes até pode ser só por uma pura vontade mecânica de nos confrontarmos a uma realidade diferente, a um contexto menos familiar, só para ver se com essas variáveis as mesmas decisões tem o mesmo sabor, se as mesmas escolhas têm resultados parecidos.

Eu me tinha apaixonado. Ou melhor, do alto dos meus 23 anos achava que me tinha apaixonado. Sabem? Daquelas paixões que começam na adolescência, sem muito saber se é só mais uma descoberta, e que de repente se transforma numa proposta de vida comum? Foi o que me aconteceu. Durou três anos e milhares de planos. O fim chegou como uma tempestade num final de tarde. Repentino, violento, assustador. E ao mesmo tempo purificador e consolador. E deixou no ar aquele cheiro fresco de terra molhada. Eu me senti como depois daqueles últimos soluços depois de um choro compulsivo. Sabem o que quero dizer. Lembro-me daquela musica que o Caetano cantava. Acho que ela se chama Sonhos. Saudade até que bom, melhor que caminhar vazio. Só sei que enquanto durou – e pareceu durar muito mais do que o tempo real – foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Depois da separação, juramos nunca mais tentar nos encontrar. Não me lembro muito bem porquê mas havia uma boa razão.

E assim me encontrei de repente sem aquela base, sem aquele chão, aquela rotina, aquela certeza. Deu um frio na barriga, um medo indescritível, ao mesmo tempo que me colocou um sorriso nos lábios. Havia outra vez algo desconhecido pela frente. E aí veio a vontade de ir para longe de tudo que é familiar.

Dizem que os gêmeos tendem a ter vidas parecidas. A verdade é que a minha história de amor começou e acabou mais ou menos ao mesmo tempo que a do meu irmão. E isso nos aproximou mais um pouco. Até esse momento tínhamos – não sei se conscientemente – tentado evitar todos os clichês sobre gêmeos. Depois das nossas historias passamos a conversar muito. Falei-lhe da minha vontade de viajar, de novidade, de baixar a cabeça e entrar no desconhecido. Isso nos aproximou. Aqueles últimos meses antes da viagem foram intensos. Os dois com vinte e poucos anos, a cabeça e o coração livres, bolsos cheios. Uma palavra em mente: Cairo

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David
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